Prova de sentença penal e critérios de correção do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, realizada em 2007.



IX Concurso Público para Juiz Federal Substituto da 5ª Região
João Maurício da Silva e seu irmão José Maurício da Silva, objetivando implantar viveiro para criação de camarão, desmataram, em 15 de fevereiro de 2006, 9,2 hectares de vegetação de preservação permanente às margens do rio São Francisco, à altura do município de Petrolina – PE. Ingressando furtivamente nas terras ribeirinhas integrantes do domínio público, procederam à destruição da flora mediante incêndio. Passada uma semana do fato, ao receberem autuação emanada do Instituto Pernambucano de Defesa do Meio Ambiente, o primeiro, rasgando o correspondente auto, proferiu agressão verbal contra o fiscal que lhe entregara o documento, chamando-o de “cabra safado” e ”toqueiro”.
Em virtude do agir da fiscalização, o viveiro não teve sua construção iniciada. Levado o fato ao conhecimento do promotor de justiça, que, por sua vez, remeteu os elementos de informação à sede local da Procuradoria da República, foi oferecida denúncia contra João Maurício da Silva pela suposta prática dos delitos previstos nos arts. 41, 50-A e 60, todos da Lei nº 9.605/1998, no art. 20 da Lei nº 4.947/1966, bem como no art. 331 do Código Penal. Quanto a José Maurício da Silva, houve, igualmente, oferecimento de denúncia restrita aos arts. 41, 50-A e 60, todos da Lei nº 9.605/1998, juntamente com o art. 20 da Lei nº 4.947/1966. Para ambos os réus, o Ministério Público postulou a incidência do art. 69 do Código Penal.
A denúncia foi recebida em meados de novembro de 2006. Restou frustrada a possibilidade de transação penal e de composição de danos. Proposta suspensão do processo quanto ao réu José Maurício da Silva, foi esta recusada expressamente. Na instrução, a prova pericial apontou a destruição, por força de incêndio, da vegetação de preservação permanente, enquanto as testemunhas ouvidas em juízo, de forma coerente e unânime, indicaram ambos os réus como autores dos fatos. Constou, ainda, do relato testemunhal que, ao proferir palavras contra o agente fiscalizador, João Maurício da Silva estava em estado de completa e manifesta embriaguez. A defesa, por sua vez, suscitou preliminares de: a) incompetência da justiça federal, porquanto ausente ofensa a bens, interesse, ou serviço federal, colacionando, para tanto, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sem contar que a competência do juízo de direito da Comarca de Petrolina – PE emerge da circunstância de a vítima de desacato ser servidor estadual; b) nulidade processual, haja vista que, quanto ao réu João Maurício da Silva, não houve proposta de suspensão do processo, a despeito de a acusação ter envolvido a suposta prática de crimes apenados com pena mínima privativa de liberdade, cujo quantitativo é igual ou inferior a um ano; c) nulidade decorrente do fato de que a tomada do depoimento pessoal da vítima do desacato, bem como de uma das testemunhas, ocorreu mediante carta precatória expedida para o juízo da Vara Federal de Serra Talhada – PE, não tendo sido a defesa intimada da data da audiência no juízo deprecado, tendo havido, apenas, intimação da expedição da mencionada carta precatória. Quanto ao mérito, sustentou a defesa inexistir responsabilidade dos denunciados pelos fatos, tendo ela frisado, quanto a João Maurício da Silva, não restar caracterizado o delito de desacato pela ausência de dolo específico. O réu João Maurício da Silva já fora condenado, por sentença irrecorrível, por anterior crime de desacato, tendo cumprido pena restritiva de direito, além de estar a responder a ação penal pelo delito de lesão corporal não-qualificada. Por seu turno, José Maurício da Silva é primário, resultando da instrução a circunstância de ser pessoa que não exterioriza agressividade. José Maurício da Silva e João Maurício da Silva são pessoas abastadas, proprietários de vasto cabedal imobiliário e de uma próspera rede de supermercados na região, sem contar que possuem boa instrução, sendo ambos portadores de diploma de engenheiro agrônomo. Os autos foram conclusos para sentença em 24 de agosto de 2007.
Na qualidade de juiz federal, profira sentença para o caso hipotético descrito acima, dispensando o relatório.
Critérios de correção: PRELIMINARES. I – Incompetência da Justiça Federal. Em tendo o fato (destruição de vegetação de preservação permanente) ocorrido às margens do Rio São Francisco que, por banhar mais de um Estado, é de propriedade da União (art. 20, III, CF), daí resulta a competência da Justiça Federal, conforme recentes pronunciamentos da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (CC 55.130 – SP, v.u., rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJU de 26-03-2007; CC 49.330 – RJ, v.u., rel. Min. PAULO MEDINA, DJU de 05-02-2007). Ademais, a conexão entre os delitos implica a predominância da Justiça Federal, em face de ser especial perante a Justiça dos Estados (art. 78, IV, CPP). II – Suspensão do processo. Inexiste a apontada nulidade. O co-réu João Maurício da Silva já sofreu condenação por outro fato criminosa, bem como se acha a responder ação penal. Desta forma, incide o óbice do art. 89, parte final, da Lei 9.099/95. III – Cerceamento de defesa. Também não ocorreu o cerceamento de defesa. É pacífico que não há necessidade da defesa ser intimada, pelo juízo deprecado, da data de audiência de inquirição da vítima ou de testemunha. Faz-se bastante a intimação da expedição da carta precatória (Súmula nº 273, STJ). MÉRITO. IV – Desacato (art. 331, CP). O delito não está configurado. O co-réu João Maurício da Silva se encontrava, ao instante das ofensas, encontrava-se em estado de completa e manifesta embriaguez. A jurisprudência dominante é no sentido de que a embriaguez afasta o elemento subjetivo do tipo (TJSP, RT 554/346, 537/300, 532/329, 526/356500/317; TACRSP, RT 719/444, 507/412 e 488/379 e RJDTACRIM 01/91), não necessitando seja completa (RT 537/300). Apenas a embriaguez mínima não afastaria o dolo (TJSP, RT 757/537), o que não é a hipótese. V – Art. 50 – A da Lei 9.605/98. Muito embora o referido dispositivo se refira especificamente à destruição de florestal em terras públicas, o que seria a hipótese, inadmissível sua configuração. Isto porque somente passou a vigorar com acréscimo patrocinado pela Lei 11.284, de 02 de março de 2006. Os fatos, por sua vez, foram perpetrados em 15 de fevereiro, não podendo haver retroação in casu. Diante disso, a conduta de destruir vegetação de preservação permanente recai no art. 38 da Lei 9.605/98, o qual traz reprimenda menos severa. Assim, o agente deveria ser punido como incurso nas penas do art. 38 da Lei 0.605/98. Isto porque, conforme linhas abaixo, a hipótese é de concurso aparente de norma, havendo sua absorção pelo art. 41 da Lei 9.605/98. VI – Art. 41 da Lei 9.605/98. Considerando-se que há concurso aparente de normas penais, a ser solucionado pelo critério da consunção, quando “um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime” (HELENO CLÁUDIO FRAGOSO. Lições de direito penal – a nova parte geral. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 376). No caso concreto, o concurso aparente de normas entre os arts. 38 e 41, ambos da Lei 9.605/98, o qual é resolvido pela absorção do primeiro pelo último, haja vista que se trata de delito mais gravoso, invocando-se, para este fim, opinião de ELÁDIO LECEY (Crimes e contravenções penais: o impacto da lei dos crimes contra o meio ambiente. Ver itens 3.3.2. e 3.3.2.6). Invoque-se também entendimento jurisprudencial da prevalência do delito mais gravoso (STF, Inq. 2.245 – MG, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Informativo – STF nº 477). Assim, não haverá punição pelo art. 38, mas tão-só pelo art. 41 da Lei 9.605/98VII – Art. 60 da Lei 9.605/98. Não caracterização. Os réus não conseguiram nem ao menos iniciar a construção do viveiro de camarão. Sendo assim, não praticaram ação que corresponda aos núcleos “construir, reformar, ampliar ou fazer funcionar”, insertos no pórtico do preceito acima mencionado. VIII – Invasão de terras públicas (art. 20, caput, da Lei 4.947/667). O núcleo do tipo é o verbo invadir que, em vernáculo, ostenta os seguintes significados: (1) Entrar hostilmente em, ocupar por força; (2) ocupar para o fim de destruir; (3) tomar por violência, conquistar (fig.); (4) penetrar em, lavrar, alastrar ou estender-se por, alcançar. (Caldas Aulete. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Delta. Vol. III, p. 2006).  (1) Entrar à força ou hostilmente em; ocupar à força; conquistar; (2) difundir-se; alastrar-se por; espalhar-se; (3) Dominar, tomar; (4) Apoderar-se violentamente de; usurpar. (Dicionário Aurélio Eletrônico). (1) Penetrar num determinado lugar e ocupá-lo pela força; apoderar-se, tomar, conquistar; ocupar um lugar de forma maciça e abusiva; (2) alastrar-se por, estender-se por; ganhar, dominar; (3) infestar, cobrir (algo); (4) Derivação: sentido figurado.Tomar conta de; avassalar, usurpar. (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2.0a). Conforme penso, resulta das significações acima, o verbo “invadir”, nos termos em que é utilizado pelo art. 20 da Lei 4.947/66, dá idéia de ocupação com violência, hostil, o que não ocorreria com o ingresso furtivo no imóvel do domínio público nacional. Daí que o crime em exame não teria se verificado. No entanto, submete-se à deliberação da seleta comissão proposta de entendimento alternativo, consoante a qual, em se achando possível caracterização da ação de invadir nas circunstâncias então enunciadas, haveria de se reconhecer prática do delito do art. 20 da Lei 4.947/66 em concurso material com o art. 41 da Lei 9.605/98. IX – Aplicação e dosimetria das penas. Diante da consideração extensão da proposta de sentença, decorrente das várias questões que foram submetidas aos candidatos, bem assim que os candidatos já tiveram de elaborar outra sentença, de pontuação superior, resolvi propor ausência de maiores exigências quanto à fixação das penas. Assim, entendo bastante que o candidato proceda da maneira seguinte: (a) no particular da pena privativa de liberdade, é de ser  seja aplicada a pena-base no mínimo legal, com pequena elevação em face do primeiro réu (João Maurício da Silva), em virtude dos seus antecedentes (Quanto ao corréu João Maurício da Silva, optei pelos antecedentes, ao invés da reincidência, para a elevação da pena-base, uma vez que, caso prevaleça apenas o delito ambiental, o art. 15, I, da Lei 9.605/98, de cunho específico, faz referência à reincidência em crimes de natureza ambiental), procedendo à substituição por pena restritiva de direito; a substituição não deverá ocorrer quanto ao primeiro réu (João Maurício da Silva), conforme vedação do art. 44, II e III, do CP, juntamente com a do art. 7º, II, da Lei 9.605/98; também não caberá, em relação a João Maurício da Silva, a suspensão da pena, por força de proibição constante do art. 77, I e II, do Código Penal; (b) no particular da pena de multa, observar o candidato a fixação em patamar razoável frente à narrada capacidade econômica dos réus. No intuito de aferir familiaridade do candidato com o direito penal ambiental, atualmente muito presente nos feitos com trâmite perante a Justiça Federal, observar a presença da imposição à reparação do dano (art. 17, Lei 9.605/98).

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